Código do Crime

Europa contra o tráfico

MÁFIAS DO BALCÃS E ITALIANAS CONTROLAM COM TERROR PORTOS DE ENTRADA DA COCAÍNA

Antuérpia é mundialmente conhecida como a capital dos diamantes lapidados. A cidade costeira da Bélgica tem ganho fama, nos últimos anos, por outro perfil comercial, a de capital da cocaína. O Porto de Antuérpia é atualmente o principal canal de entrada marítima da droga, que chega pelo Oceano Atlântico, do Brasil, principalmente, para ser distribuída na Europa.
A chamada Rota do Atlântico abaste um mercado de US$ 7 bilhões ano, segundo a Europol (agência das polícias da União Europeia). Um dos grandes barões que operam nessa rota é o narcobroker brasileiro Sérgio Roberto de Carvalho. Foi por uma carga de 780 quilos de cocaína com destino a Bélgica, que embarcaria do Porto de Paranaguá (PR), em 2017, escondida em contêineres com tubos de PVC, que Major Carvalho, como é conhecido, teve ordem de prisão expedida pela Justiça Federal do Paraná, em 2020, alvo da Operação Enterprise.
1 / 5
1 / 5
OPERAÇÃO WARMIA - Polônia
Com a troca de informações entre a PF, no Brasil, e polícias da Bélgica, França, Holanda e Alemanha, analises de dados das redes de troca de mensagens criptografadas, usadas pelos traficantes, e cooperação entre os países nas operações, a rede internacional de tráfico a qual está ligado o ex-policial militar brasileiro, segundo a polícia, tem sido desmontada o nos últimos cinco anos. Gerando baixas nas três etapas do negócio: na Origem do pó (os países produtores da América do Sul, Bolívia, Colômbia e Peru) na Rota Brasil (principal entreposto, com o o Paraguai) e na Europa (destino final da droga, que vive uma guerra contra o tráfico e suas mazelas).
Em 2022 e 2023, as grandes operações simultâneas em diversos países, com apoio da Europol e da Interpol, têm se multiplicado em escala, não só no Brasil, mas também em países pouco conhecidos dos brasileiros, como na Sérvia, na Bósnia e Herzegovinia, na Polônia, em Dubai e outros. Prisões espetaculares de grandes barões do tráfico internacional de drogas, mega apreensões, de armas, bens e valores pertencentes aos criminosos, têm sido recorrentes. Uma ofensiva policial que tem comum, além da cooperação internacional, o uso de dados descriptografados dos aplicativos de mensagensEncroChat, do SkyECC e do Anom.
Mapa dos portos com mais apreensões de cocaína na Europa, do relatório de 2023 da UNODC |Reprodução/WDC2023-UNODC
Nos últimos anos, a quantidade de cocaína apreendida em Antuérpia - o segundo maior porto marítimo da Europa - aumentou, como em todo continente. Em 2021, foi registrado recorde de apreensões nos países do continente, 303 toneladas de pó. Dez anos antes, esse número era de 50 toneladas, segundo a Europol. A Bélgica, a Holanda e a Espanha lideram a lista de maiores volumes de apreensões.
A Europa é a segunda maior consumidora da cocaína do mundo, perde apenas para os Estados Unidos. Para envio das "peças", os cartéis e os narcobrokers, como Major Carvalho, usam portos como o da Bélgica, da Espanha, Portugal, França, Holanda, Alemanha, além da África. Estudo anual de entidade ligada a ONU, que analisa o mercado das drogas e as tendências, indicam quais foram os portos europeus, com maior volume de apreensões.

COCAÍNA EM ALTA: PROBLEMA DE VIOLÊNCIA E SAÚDE PÚBLICA

Evolução das apreensões de cocaína na Europa, de estudo da OEDT
O Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT) de 2023 aponta que as apreensões e a pureza da cocaína aumento, nos países europeus. Um dos estudos considera a análise das águas das redes de coleta do esgoto. "Dados mais recentes provenientes de várias fontes sugerem que os níveis de consumo regressaram agora aos níveis anteriores à pandemia", registra o documento. "Ao longo da última década, os preços indexados também se mantiveram estáveis, ao passo que a pureza média aumentou."
3,5 milhões experimentaram cocaína pela menos uma vez na Europa em 2021, recorde - quantia quatro vezes maior que 20 anos atrás, segundo o Observatório Europeu da Droga e da Toxicodependência.
O estudo afirma que os "indicadores sugerem que a disponibilidade e o consumo de cocaína continuam a ser muito elevados por padrões históricos".
Polícia faz teste em tablete de cocaína, apreendido na Operação Terminus, na Espanha | Reprodução/ Europol
A Europa tem adotado a política de guerra ao tráfico internacional de drogas. A Europol, criada em 1999, atua como agência e ajuda autoridades policiais do continente nesse combate, em especial aos narcoterroristas, como são chamados os barões do tráfico de cocaína.
As máfias dos balcãs são atualmente uma preocupação das autoridades europeias. Albaneses, croatas, sérvios, bósnios, são alguns dos membros dos clãs que formam a chamada máfia dos Balcãs, que emerge num negócio em que as máfias italianas, como a Ndrangheta, Cosa Nostra e Camorra, controlam boa parte dos portos há anos. Depois do inglês, a língua mais falada entre usuários do SkyECC, por exemplo era o albanês, mostraram as investigações.
Relatório de 2022 do observatório de drogas da Europa registra que a posição geográfica estratégica e a alta demanda de coca na União Europeia e Turquia levaram máfias de países como Albânia, Montenegro, Macedônia do Norte, Sérvia, Bósina e Herzegovina e Kosovo a crescerem.
Na Sérvia, os dados do SkyECC também ajudaram as polícias a prenderem Marko Miljkovic e Veljko Belivuk, em fevereiro de 2021, que seriam líderes de uma violenta gangue, que usava um triturador de carnes para matar rivais. Uma das vítimas, Lazar Vukicevic, teria sido assassinado, esquartejado, depois os pedaços foram moídos em jogados no rio Danúbio, em Belgrado.
Polícia da Holanda encontra "presídio" e "câmara de tortura" da máfia, em operação do Caso SkyEcc e EncroChat | Reprodução/ Polícia da Bélgica
Na Holanda foi descoberto em 2020 uma "câmara de tortura". A prendeu seis pessoas em julho, com base nos dados do Encrochat, sistema e aplicativo criptografado. Em um armazém havia uma espécie de prisão particular. Eram sete contêineres, um deles usado para torturar inimigos. Além de isolamento nas paredes, havia uma cadeira de dentista com cintas e cordas para prender as vítimas e tesouras, uma serra, bisturis e alicates. Na ocasião, a chefe da unidade criminal da Politie, holandesa, explicou que as mafiosos se referiam ao conteiner como "sala de tratamento", para "torturar as vítimas ou, de qualquer forma, pressioná-las".
Em Montenegro, dados do SkyECC também causaram estragos não só nas máfias, mas na política e no judiciário. Policiais, criminosos e um parente do presidente da Suprema Corte local foram descobertos em conversas e trocas de mensagens, que contribuíram para a queda de um importante político local, recentemente.
Na Bélgica, Holanda e França, autoridades têm discutido os riscos de algo que se descobriu com a quebras das conversas codificadas nos cartéis do tráfico de cocaína que operavam, a importação de uma violência estrutural e brutal reinante nas áreas de origem da droga, no países das Américas do Sul e Central.

O perfil das redes do crime organizado transnacional na UE, segundo o OEDT:

  • Mais de 180 nacionalidades estão envolvidas no crime organizado na União Europeia;
  • 65% dos gangues ativos na UE são compostos por membros de múltiplas nacionalidades;
  • Metade das estruturas criminosas ativas na UE têm o tráfico de drogas como negócio.

MAJOR CARVALHO TINHA CENTRO DE COMANDO EM DUBAI

Agentes da Guarda Civil espanhola, da DEA, norte-americana, e da Europol durante apreensão de carros na Operação Luz no Deserto | Reprodução/Europol
Sérgio Roberto de Carvalho é brasileiro, mas há anos usa a Europa como moradia e base operacional. Se nos anos 90 ele iniciou sua carreira no tráfico com uma fazenda na região de fronteira do Brasil com a Bolívia e o Paraguai, um posto de gasolina e uma empresa de transportes, hoje sua holding do crime transnacional é ainda incalculada. Nas lista de negócios formais adquiridos ou montados pelo ex-PM de Mato Grosso do Sul e seus associados, há uma empresa de táxi aéreo, com sede em Lisboa (Portugal), uma trading em Dubai (Emirados Arabes), empresas de importação e exportação, de frutas a máquinas, negócios de roupas, entre outros.
Dubai, no Oriente Média, terra de luxo e ostentação, era um dos refúgios e base operacional do narcobroker brasileiro e de outros barões do tráfico internacional. Um dos responsáveis por operar a lavagem de dinheiro e os negócios pessoais do Major Carvalho foi preso lá. Marcelo Maghenzani era seu braço-direito e tinha um escritório no Oriente Médio, de onde coordenava as compras de imóveis e bens. Foi por meio de e-mails de uma empresa operada por eles que a PF chegou ao alvos. A namorado de Major Carvalho, a brasileira Olívia Cristina de Paula Traven, também é alvo das apurações e segue foragida. Na mega ação contra os barões do pó em Dubai, ele foi um dos presos.
Trecho de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em processo da Operação Enterprise, contra esquema do Major Carvalho | Reprodução
Em uma decisão recente, em que foi negado um recurso de um dos acusados na Operação Enterprise. o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4) destacou a "grandiosidade da organização montada por Major Carvalho", com base nos dados do inquérito 1209/2017, da PF no Paraná. O ex-PM, "detentor de extenso histórico criminal", seria o "responsável pelo contato entre os fornecedores de drogas sul-americanos e os destinatários europeus". "Trata-se de grupo contumaz no tráfico internacional que, apesar das sucessivas apreensões de seus carregamentos, deram sequencia a tentativas de exportação de grandes quantidades de cocaína."
Iniciada pelo delegado da PF Sérgio Stinglin de Oliveira, de Curitiba, a apuração delineou as ligações de dezenas de braços operacionais e associativos usados pelo narcobroker brasileiro, e gerou diversas outras operações que vêm e continuam a derrubar grupos ligados a holding do tráfico transnacional do ex-PM.
"A progressiva identificação dos outros grupos e subgrupos com atuação interligada no tráfico internacional de cocaína implicou a investigação simultânea sobre todos. A coincidência de pessoas e ações entre os grupos identificados revelou tratar de uma organização de pessoas, cujas atividades estão sob comando central de Sergio Roberto de Carvalho", informa a PF, no relatório final da Operação Enterprise.
1 / 4
1 / 4
Operação Match Point da PF, em abril de 2023, contra esquema que ligava PCC, CV e um islandês | Divulgação/PF
Uma das características das grandes redes do crime organizado transnacional, em relação aos anos 1980 e 1990, é que a cooperação entre grupos e as negociações horizontais, que une cartéis latino-americanos, máfias e facções. É o lucro do negócio que se sobrepõe ao conflito e o domínio absoluto de territórios e rotas.
O islandês Sverrir Thor Gunnarsson, preso em abril de 2023, pela PF, em morro do Rio reprodução/ Pf
Em abril, quando policiais foram às ruas em Santa Catarina e outros oito estados SP, RJ, MG, BA, PB, PE, GO, RN, 33 pessoas foram alvos de mandados de prisão. Entre os alvos da Match Point, o islandês Sverrir Thor Gunnarsson e dois núcleos, com elos com o PCC, em São Paulo, e do Comando Vermelho (CV), no Rio. O islandês vivia em uma casa em São Conrado, no Rio. Além de pó, eles importavam para o Brasil o haxixe (droga derivada da maconha).
Gunnarsson era representante de um grupo mafioso europeu. Segundo as apurações, ficava no Brasil, fazendo o contato com produtores da cocaína, no países vizinhos (Bolívia, Colômbia e Peru), e os membros das duas facções, para transporte, armazenamento e ocultação da droga, e posterior envio pelos portos brasileiros. O grupo da facção carioca era o canal para atravessar a droga pelas rotas do Norte e Nordeste. A facção paulista, para os negócios via Porto de Santos. O caso começou a ser investigado em Santa Catarina, por causa do dinheiro do pó que era lavado em apartamento e prédios de luxo na badalada cidade praiana de Balneário de Camboriú.
Ação das polícias da Polônia e da Espanha, de março de 2023, contra máfia, que levava cocaína e outras drogas da América do Sul para a Europa | Divulgação/Europol
Operação contra máfia italiana Ndrangheta, da Calabria, com suas conexões diretas na Colômbia | Reprodução/Europol

NO BRASIL, PRISÕES DE MEMBROS DAS MÁFIAS

O intercâmbio entre países de criminosos, em especial nas rotas do tráfico, é frequentemente alvo da PF. Em 2017, a presença de membros de máfias dos Balcas foi registrado na Operação Brabo e Niva, que apontou um esquema de envio de pó pelo Porto de Santos, em especial, para portos na Bélgica, Inglaterra, França, Espanha e Itália. O nome Brabo foi referência ao Porto de Antuérpia, um dos destinos das 6 toneladas de cocaína identificadas.
Foram presos e condenados pela Justiça Federal dois sérvios, Bozidar Kapetanovic e Miroslav Jevtic. Membros do PCC davam suporte logístico ao esquema de negociação e compra da droga na Bolívia e Colômbia e no transporte e embarque no Porto de Santos. Os dois representavam máfias compradoras do pó na Europa e seriam ligados ao clã Saric, uma das máfias mais ativas e violentas dos Balcãs.
O PCC, mesmo ainda emergente no mundos dos barões da cocaína na Europa, também tem registrado baixas. Em 2020, Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, foi preso em Moçambique África, após duas décadas foragido. Ele é um dos investigados pelo avanço da facção como produtora da droga na Bolívia, com fazendas próprias de cultivo da folha da coca, e nos contatos com as máfias da Europa, via África. No mesmo ano, foi mandado para o Brasil.
A máfia italiana também tem sofrido revéses. No início de maio de 2023, uma força-tarefa com 2,7 mil policiais prendeu pelos menos 132 pessoas ligadas a uma rede de tráfico internacional com elos com temida máfia italiana Ndrangheta. A ação envolveu Itália, Alemanha, Espanha e Bélgica, com cooperação das polícias de Portugal, Eslovênia, Romênia e França, e da Europol e da Eurojust. Originária da Calabria, a Ndrangheta exerce controle sobre portos na Europa, usados na Rota do Atlãntico.
1 / 4
1 / 4
Rocco Morabito, chefe da Ndrangheta, preso no Brasil, em 2021; bens apreendidos do mafioso e prisão na Operação Eureka | Reprodução/Interpol
Em maio de 2021, a PF e a polícia da Itália (os Carabinieres), com apoio da Interpol, prendeu ums dos mafiosos mais procurados do mundo, Rocco Morabito. Ele estava em um flat, na praia de Tambaú, em João Pessoa (RN). Rocco Morabito foi extraditado em 5 de julho de 2022 para a Itália. Embarcou em Brasilia em um avião do governo italiano, para iniciar o cumprimento de pena de 103 anos de prisão. Também conhecido como U Tamunga - apelido originado na DKW, modelo Munga, que dirigia na Calábria - foi o segundo criminoso mais procurado da Itália e era um dos barões da cocaína na Europa. Procurado da polícia italiana desde 1995, Morabito tinha sido alvo, em 1994, da Operação Fortaleza, pelo envio de pó em navios que saiam do porto na capital do Ceará. Mas fugiu do país usando passoparte falso, em nome de Francesco Antonio Capeletto Souza.
Em 2017, Morabito foi preso no Uruguai, mas depois de a Justiça decretar sua extradição para a Itália, fugiu, em 2019, da Prisão Central de Montevidéu, pelo telhado da unidade.
No Brasil, antes de ser preso em 2021, a Policia Civil, em São Paulo, deflagrou uma fase da Operação Diagrama de Venn, que mirava os elos de Morabito e outros membros da máfia calabresa com o PCC e negócios no Porto de Santos (SP).

"Hackeamento de estado" e espiões digitais: "virando o jogo"

Painel de balanço do pós caso EncroChat, feito pela Europol, em 2023 | Reprodução/Europol
O aumento das prisões e apreensões de pó pela Polícia Federal é resultado de duas frentes: trabalho conjunto da PF em cooperação interagências pelo mundo, contra o tráfico mundial de cocaína, e a decodificação e a intrusão de “espiões digitais” nas redes seguras de comunicação usadas pelos grandes organizações transnacionais do tráfico.
No dia 27 de junho a Europol e a Eurojust realizaram uma conferência, em Haia (Holanda)??, para atualizar o balanço dos resultados obtidos com as descobertas do Encrochat, desde 2020. A conclusão foi que nesses tres anos 6,5 mil criminosos foram presos em decorrência das investigações que usaram dados do banco de dados invadido. Até hoje com deflagrada de mega operações contra o tráfico de cocaína.
Na rota do Atlântico do tráfico de cocaína, o mega banco de dados, analisado e difundido pelas policias, nas agências de polícia da Europa, tem ajudado a resolver crimes em andamento e casos do passado, além de servir para mapear rotas de transporte, núcleos do crime, lideranças, meios de ocultação das drogas, lavagem de dinheiro, entre outros. Uma biblioteca do crime que tem sido usada pela PF para virar o jogo na guerra contra o narcotráfico para a Europa.
"O uso desses sistemas e ferramentas que dificultam as investigações é um dos principais desafios enfrentados atualmente por investigadores que atuam no combate a organizações criminosas, sobretudo, aquelas que têm alcance internacional. Por isso, têm sido constantes os investimentos e a troca de informações entre os países para enfrentar o problema", afirmou o procurador da República Adriano Fernandes, que atua nos casos da Operação Enterprise, em conferência na França, no início do ano. Desde o início do caso, o MPF solicitou e recebeu pedido de cooperação internacional com Portugal, Espanha, Holanda, Alemanha, França, Itália, Senegal, Bélgica e Emirados Árabes Unidos. O Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MPF trabalha no caso, que tem 79 processos penais do caso.
Na Justiça do Brasil, o acervo de provas dos aplicativos de mensagens invadidos na Europa e nos Estados Unidos ainda são novidade. O chamado "hackeamento de estado" é polêmico. Na Europa, o debate avança sobre a legalidade das operações que resultaram nas quebras das criptografias dos aplicativos e a forma como as polícias têm usado o acervo apreendido.
Nos Balcãs, advogados têm levado às Cortes recurais pedidos de invalidação de provas, com base no argumento de invasão irregular dos sistemas de comunicação e selfie-fishing processual no material. No caso do aplicativo Anom, desenvolvido pelo FBI com a ajuda de um delator, policiais norte-americanos e da Austrália monitoravam em tempo real as conversas dos usuários, indiscriminadamente.
Tela de aplicativo Anom, com conversas de criminosos, que eram monitorados pelo FBI | Reprodução/Dep. Justiça EUA
"O Estado não pode depender da sorte, precisa acessar as conversas no momento em que elas estão sendo entabuladas. E aí tem um problema da criptografia", explica o juiz e professor Ulisses Pascolatti Jr. Atualmente, a acusação e as polícias dependem atualmente da apreensão dos aparelhos de telefone.
"O Estado depende hoje da sorte, da apreensão de um aparelho celular, e quando se consegue acessar o aparelho, quando ele não tem aplicativos que se auto destrua. Quando se consegue, ter o conhecimento das conversas estabelecidas entre os membros da organização criminosa, aí a gente consegue, que é o principal, que é ir atrás de bens e valores e aonde foram reinvestidos."
Defensor da criptografia como algo essencial para a sociedade atual. "Nós, enquanto sociedade, dependemos da criptografia." Para ele, os códigos encriptados "não podem é ser uma barreira" para crimes.
Página do SkyECC na internet bloqueada por autoridades dos Estados Unidos | Reprodução/Web (18.ago.23)
A "infiltração, o hackeamento estatal ou a utilização de malwares", pelas autoridades, é necessária na sua avaliação, mas precisa seguir regras das leis. "O problema principal, na data de hoje, é que nós não temos legislação que autorize. Diferentemente dos Estados Unidos, da Alemanha, Itália, Espanha, Canadá, Austrália, Estônia, França, tantos outros." Como juiz, em hipótese, o especialista afirma que deve ser uma ferramenta usada excepcionalmente nas investigações e prefere que o estado não se utilize de meios secretos para investigar. Mas aponta as possibilidades. "Temos um instituto que é semelhante na lei de organização criminosa que é a infiltração virtual. É um agente encoberto, um agente infiltrado que com autorização do estado se infiltra nessas organizações e de lá, extrai, as informações." Segundo ele, foi assim "que começou em outros países as alterações de lei, a exemplo, na Espanha".
Prisão de um dos barões do tráfico para a Europa, na Operação Luz no Deserto, que pegou centro operacional em Dubai | Reprodução/Guarda Civil Espanha

OPERAÇÃO LUZ NO DESERTO - 2022

A Operação Luz no Deserto levou para a cadeia seis tubarões das redes transnacionais do crime organizado, que operam na Rota do Atlântico de envio de cocaína para a Europa. Conhecidos como "Os Senhores das Drogas", eles controlavam suas holdings criminosas, em Dubai (nos Emirados Árabes). A mais recente fase foi deflagrada no final de 2022. Ao longo do ano, outras fases foram cumpridas por polícias de diferentes países, incluindo o Brasil, que provocaram baixas nas três etapas do negócio.
A Operação Luz no Deserto atacou o chamado "super cartel", que tinha como os chefões criminosos "refugiados" em Dubai. O esquema ao qual Major Carvalho estava associado, era um das maiores redes de tráfico mundial de cocaína, responsável por um terço da droga enviada para a Europa.
Iniciadas em 2020, as investigações tiveram várias fases deflagradas, em diferentes continentes. Envolveu polícias da Espanha, França, Bélgica, Holanda e Emirados Árabes, com apoio da Europol e da DEA (polícia antidrogas norte-americana). O caso decorre das descobertas obtidas com a invasão do EncroChat e depois o SkyECC. A Europol informou, na ocasião, que a mega rede do tráfico tinha canais diretos com os cartéis sul-americanos e com brokers do Brasil.
“Em abril de 2020, a Europol reuniu os países envolvidos, que desde então têm trabalhado em conjunto para estabelecer uma estratégia conjunta para desmantelar toda a rede. Os principais suspeitos foram identificados em ambos os lados do Atlântico, com o apoio da Operação EMMA 95 / LEMONT 26, a investigação liderada por França e Holanda contra a rede Encrochat."
Dubai era também o centro operacional e base de lideranças do esquema criminoso do traficante Ridouan Taghi, que era um dos líderes na Holanda, da chamada Mocro Máfia. Foi preso em 2019, também dos Emirados Árabes. Originário do Marrocos (África), sua gangue é conhecida como os Anjos da Morte. Além de assassinatos e atentados, ele era ligado ao tráfico de cocaína via portos da Holanda e do Marrocos. É acusado de ser o mandante do assassinato do jornalista holandês Peter de Vries, em julho de 2021, em Amsterdã.
Outro criminoso que usava Dubai era o irlandês Daniel Joseph Kinahan, do clã Kinahan, procurado no mundo inteiro por comandar gangues na Irlanda, Holanda, Bélgica e Espanha. Assim como Major Carvalho, além de usar o país do Oriente Médio para morar e centro operacional, ele também tinha uma base em Marbella (Espanha), onde o brasileiro quase foi preso em 2020, na Operação Enterprise.
1 / 5
1 / 5
Mansão e bens dos acusados pelas polícias de serem do "super cartel" de drogas para a Europa, que operava de Dubai e que tinha o brasileiro Major Cavalho como membro; entre eles um líder da Camorra, a máfia italiado; chefões da Espanha | Reproduções/ Europol/Polícia de Dubai/Guarda Civil Espanha
Major Carvalho está preso na Bélgica, mas ainda deve ser transferido para o Basil, para responder aos processos na Justiça. São casos em São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Santa Catarina, Rio Grande do Norte, entre outros. Um documento do inquérito principal da PF, da Operação Enterprise resume a mega holding controlada pelo ex-PM.
"Foi constatada a existência de verdadeira ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA TRANSNACIONAL (ORCRIM) atuante no tráfico internacional de grandes quantidades de cocaína, estruturada em grupos de indivíduos que atuam de forma compartimentada e divida em tarefas, mas interligada, na exportação de carregamentos de cocaína em contêineres, cargas e embarcações de pesca que deixam o Brasil com destino a Europa, na logística de armazenagem e transporte dos carregamentos até os pontos de exportação com a utilização de barracões, caminhões e aeronaves em mais de um estado brasileiro, na ocultação e lavagem de bens e ativos multimilionários no Brasil e no exterior com uso interpostas pessoas (laranjas) e empresas fictícias." Informação de Polícia Judiciária 105/2019.