Código do Crime
Rota Brasil
MAJOR CARVALHO, O BARÃO DA COCAÍNA ELO DOS CARTÉIS E AS MÁFIAS NA EUROPA
QUEM É MAJOR CARVALHO
Sérgio Roberto de Carvalho nasceu em Ibiporã, no interior do Paraná, e virou Polícia Militar (PM) no Mato Grosso do Sul. Atuava no batalhão de Amambai (MS).
Nos anos 80, passou a ser investigado por envolvimento com contrabando, na fronteira do Brasil com o Paraguai. Negociava pneus, bebidas, cigarros e outros.
Na década de 90 foi preso pela primeira vez no Guarujá (SP), em 15 de novembro de 1997, após apreensão de um avião com 250 quilos de pasta base de coca, em sua fazenda na região de fronteira. Da cela, no Presídio Militar de Mato Grosso do Sul, continuou a controlar os crimes, segundo investigadores. Em 1999 uma busca localizou US$ 180 mil e R$ 27 mil escondidos no colchão.
Em 2007 e 2009, cumpria pena em regime semiaberto. Foi alvo da Operação Las Vegas e da Operação Xeque Mate, por envolvimento com as máquinas de vídeo bingo. Foi expulso da Polícia Militar em 7 de março de 2018. Mas em junho deste ano, a Justiça do Mato Grosso do Sul deu o direito a ele receber R$ 1,3 milhão de aposentadoria do Estado.
ALVO EM 4 CONTINENTES
Major Carvalho foi extraditado para a Bélgica para responder um processo criminal pelo envio de 1,3 toneladas de cocaína, para Bruxelas. A droga estava com um passageiro, em um jato particular de origem turca, dentro de 27 malas. Foi apreendido no Aeroporto Internacional de Fortaleza (CE), em 4 de agosto de 2021.
Vídeos registraram uma Kombi que levou a droga, em um hangar onde a aeronave ficou em Ribeirão Preto (SP), no dia anterior, antes de ser interceptada durante a escala na capital cearense. O passageiro dono das malas era um idoso, que morreu meses depois, vítima de um câncer.
O Brasil está na fila para conseguir a extradição do narcobroker. Ele responde a dezenas de processos na Justiça brasileira, em estados como Paraná, São Paulo, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Norte, Ceará, entre outros.
Estados Unidos, Espanha, Portugal, Alemanha e França também querem o traficante para julgá-lo pelos crimes. Em Budapeste, ao ser questionado sobre seu destino, Major Carvalho afirmou que não quer ser mandado para o Brasil.
A VIDA DE FORAGIDO, A PRISÃO E AS VÁRIAS IDENTIDADES DO BARÃO DO PÓ BRASILEIRO
No dia 22 de junho de 2022, quando policiais de Budapeste prenderam Major Carvalho, ele usava a identidade de Igor Kuzmenko Vanovich, um cidadão russo. Ao ser colocado frente a frente com autoridades, já algemado, o brasileiro foi perguntado sobre sua identidade. "Igor Menko", respondeu. Era uma das várias identidades usadas pelo maior narcobroker brasileiro a atuar no tráfico para a Europa. No hotel seu registro estava em nome de Guilhermo Flores, de passaporte mexicano.
Em 2018, o golpe da falsa identidade deu certo na Espanha, ao ser preso em agosto, usando a identidade falsa de Paul Wouter, cidadão do Suriname, dono de 1,7 tonelada de cocaína apreendidas em um navio, na chegada à Espanha. Pagou uma fiança de 200 mil euros e foi solto, antes que as autoridades percebessem que era o brasileiro, mundialmente procurado pelas polícias. Um dos barões do pó, acusado de integrar uma rede do crime responsável por um terço da droga levada à Europa, pela Rota do Atlântico - conforme policiais e documentos consultados pelo SBT News.
Começava ali mais uma empreitada cinematográfica em sua vida de fuga. Em 20 de agosto de 2020, sob risco de ser acusado na Justiça da Espanha, pelo Ministério Público, foi dado como morto. Tempos depois, a polícia descobriu que Major Carvalho - o verdadeiro - pagou para o médico Pedro Martin Matos, de Málaga, para assinar um falso atestado de óbito de para Paulo Wouter - o falso.
Em novembro de 2020, o ex-PM brasileiro também quase foi preso, mas escapou - policiais acreditam que ele foi avisado. Fugiu da principal operação da Polícia Federal contra ele, a Enterprise (leia mais, abaixo). Em um apartamento de luxo, em Lisboa, deixou para trás uma fortuna em dinheiro, que estava escondida dentro de uma van. Vivia nessa época em uma mansão em Marbella, na costa espanhola, avaliada em 2 milhões de euros.
OS PRINCIPAIS PORTOS DE ENVIO DO PÓ
BRASIL NA ROTA DO PÓ
MEIOS E MÉTODOS DE ENVIO DA COCAÍNA PARA A EUROPA
A ROTA MARÍTIMA
A Operação Novos Rumos, da PF, por exemplo, deflagrada no dia 24 de maio de 2023, teve como alvos um grupo especializado no Rio de Janeiro, que fazia o embarque da cocaína na Rota do Atlântico, por meio da "pesca" de malas, nos navios e pela introdução dos tabletes nos cascos com ajuda de mergulhadores profissionais.
Os métodos de se "contaminar" as cargas variam e envolvem, quase sempre, a conivência e a corrupção de funcionários, tanto nos portos, como nas empresas marítimas, de transporte, segurança, entre outras.
Métodos de transporte da droga:
- Contêineres "contaminados" (método RIP-ON/RIP-OFF): a cocaína é introduzida pelo tráfico em cargas de exportação, rompendo o lacre e depois fechando.
- Cascos dos navios: a droga é escondida por mergulhadores nas caixas do casco, na área submersa da embarcação.
- Pesca pela tripulação: a droga é levada em pequenos botes ao navio, em alto mar, e é içada por alguém embarcado, em geral, um tripulante corrompido.
- Pequenos embarcações de pesca, veleiros ou submersíveis são carregados com a droga, que atravessa o oceano por rota determinadas, em especial para a África.
OS PRINCIPAIS PORTOS DE ENVIO DO PÓ
- A Porto de Santos (SP)*
- Porto de Paranaguá (PR)
- Porto Rio Grande (RS)
- Porto Itajaí (SC)
- Porto de Itaguaí (RJ)
- Porto de Recife (PE)
- Porto de Vitória (ES)
- Porto de Fortaleza (CE)
- Porto de Salvador (BA)
- Porto de Natal (RN)
(*) - maior porto de cargas da América Latina / dominado pelo PCC
A ROTA AÉREA
O envio da cocaína por aviões é feito de duas formas: ou escondida nas bagagens ou no corpo dos passageiros - de modo mais fracionado. Há também casos de ocultação em equipamentos e cargas, no caso dos aeroportos como o de Viracopos, em Campinas (SP).
Apesar de ser um modal que em volume leva quantia bem inferior ao modal marítimo, é um sistema de grande fluxo. Casos como a das turistas brasileiras presas na Alemanha, após terem as malas trocas no Aeroporto de Cumbica, em São Paulo, tem sido usados por criminosos.
"No embarque de passageiros e bagagens, não há muito espaço para se esconder a droga, ou está no corpo ou nas suas bagagens. Usam cintam em pequenas tabletes no corpo e tentam usar roupa larga, sem metais, para não pegar no detector de metais. Nas bagagens, já encontramos diluído em frascos de perfume, em xampu, em pequenos fundos falsos, dentro das hastes metálicas e até diluído em meios as roupas", explica o delegado da PF Edson Geraldo de Souza, chefe da Delegacia da PF em Campinas (SP).
Ele e sua equipe são os responsáveis diretos pelo policiamento no Aeroporto Internacional de Viracopos, que tem aumentado os voos internacionais, nos últimos anos. "São métodos já conhecidas pela fiscalização e nenhum deles podem ser considerados eficientes para passar pelo firewall, que é como chamamos o sistema de vigilância e fiscalização do tráfico internacional de drogas por meio de passageiros e bagagens."
"Os aeroportos internacionais são de interesse do tráfico internacional, não só para uso como ponte aérea. Eles querem ter o domínio dos processos de segurança. Evitamos isso, no aeroporto de Viracopos, com a Operação Overload (2018) e o firewall que montamos. Havia uma cadeia de custódia de pessoas corrompidas para fazer com que a droga chegasse até dentro do avião, com uso de malas não vinculadas a nenhum passageiro, que seriam tiradas no aeroporto da Europa. Esse era um dos métodos, infiltrar pessoas para que pudessem manipular o sistema de segurança para inserir coisas no avião. A troca de malas é conhecida, não verificamos em Viracopos, mas é o que acontece, quando o tráfico se infiltra", explica o delegado da PF Edson Geraldo de Souza.
COMO O PÓ É ESCONDIDO E ATRAVESSA O ATLÂNTICO
A mesma banana que é comida pelos europeus, levada de países da América do Sul, como o Brasil, pode ter viajado num contêiner carregado de tabletes de cocaína. Para esconder os tabletes de um quilo cada eles escondem em cargas de banana, em latas de atum, escondidas em blocos de mármores, em bucho animal, nas cargas de madeiras.
Major Carvalho e sua multinacional do crime também dispunham de quase todos os meios para esconder os tabletes de cocaína, tanto para atravessar o Brasil, como para cruzar o oceano Atlântico - nas rotas área e marítima. O barão do pó brasileiro, usava sua própria logística, com diversas empresas em nome de laranjas e associados - legais e também do mundo do crime.
Em 2020, quando ele foi acusado na Justiça do Paraná, seis células de sua quadrilha foram alvos. Uma enviava a droga escondida em contêineres por portos da região Sudeste do país. Outra, conhecida como o Núcleo das Frutas, usava as cargas de manga, gengibre, açaí, para fugir da fiscalização.
OPERAÇAO ENTERPRISE (2020) No final de novembro de 2020 foi deflagrada a maior operação conjunta da PF contra o tráfico internacional de cocaína via portos brasileiros, que tinha Major Carvalho como alvo central. 700 agentes nas ruas em dez estados do Brasil (Paraná, Santa Catarina, São Paulo, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Pará, Minas Gerais, Rio Grande do Norte, Bahia e Pernambuco) e na Espanha, Colômbia e Panamá. 149 mandados de busca e 66 mandados de prisão. Ao apresentar o balanço da Enterprise, a PF explicou que a investigação teve desdobramentos no Brasil, Colômbia e Panamá, na América Latina; na Bélgica, Espanha, Holanda, Portugal e Romênia, na Europa; e em Dubai, nos Emirados Árabes.
Desde então, 79 ações penais foram abertas a pedido do Ministério Público Federal (MPF) do Paraná contra o esquema de Major Carvalho e sua rede do tráfico internacional. O criminoso usava o Sky ECC e o EncroChat, descobriram os investigadores.
Número da Operação Enterprise:
- 79 ações penais (tráfico internacional, lavagem de dinheiro, organização criminosa e associação para o tráfico);
- 36 quebras de sigilo; 75 prisões;
- 15 cooperações internacionais;
- 7 pedidos de extradição.
O DELATOR - Segundo Jorge Santos Zela, o Zóio, a droga chegava no local vindo de "São Paulo geralmente, em vans e sprinters com carroceria". "Pessoal vinha junto abatendo até chegar em Paranaguá. Eles me avisam antes de chegar aqui, o horário que eles iam chegar e eu marcava um local na entrada da cidade para cruzar com eles na BR e ir guiando eles até o lugar para descarregar."
“Nas investigações foram identificados vários sistemas sofisticados que permitiam desde a criptografia das comunicações até aparelhos telefônicos próprios que tinham senhas de pânico que, acionadas, apagavam as conversas em caso de apreensão do aparelho”, exemplificou um dos procuradores da República que integra o grupo que atua nos processos penais contra o Major Cravalho, Adriano Barros Fernandes, durante uma apresentação sobre os processos no Brasil, na França.
Desde a Enterprise, diversas operações da PF foram deflagradas para desmontar as diversas oranizações crimninosas que prestavam e prestam serviços para a mega quadrilha do Major Carvalho. Em 15 de março de 2023, por exemplo, a PF do Paraná colocou nas ruas a Operação Vertigem, que teve como alvo a lavagem de dinheiro do traficante em imóveis de luxo, em Balneário Camboriu (SC).
Os dados obtidos pelas polícias da Europa e dos Estados Unidos, com os bancos de dados do SkyECC e do Anom e a cooperação internacional tem provocado um efeito em cadeia de baixas nas redes transnacionais de tráfico de cocaína operado pelo Major Carvalho. Ele e sua holding que nos últimos 3 anos levou 50 toneladas da droga pura para a Europa e África, por meio do Atlântico, tem sido desmontada.
O nome Enterprise fazia alusão à dimensão da organização criminosa de Major Carvalho, que atua "como um grande empreendimento internacional na lavagem de dinheiro e exportação de cocaína".