Código do Crime
Origem do Pó
A GUERRA NA FRONTEIRA DE ENTRADA DA COCAÍNA E O PCC CRESCE COMO CARTEL DE DROGAS
2 mil toneladas de cocaína/ano
Relatórios oficiais sobre drogas no mundo apontam que 2 mil toneladas de cocaína são produzidas por ano, nos países andinos da América do Sul, vizinhos do Brasil.
NO BRASIL 1 TABLETE DE 1 QUILO R$ 40 MIL MIL PINOS DE 1 GRAMA R$ 100 MIL
Os militares monitoram 24 horas o espaço aéreo. Toda vez que um avião atravessa a fronteira, sem autorização, dois supertucanos são acionados. A equipe levanta voo em menos de 10 minutos e aborda os instrusos, no ar. Se não obedecem aos chamados de identificação, nem as ordens de pouso, são abatidos tiros após o terceiro alerta.
O brasileiro Sérgio Roberto de Carvalho, o Major Carvalho, começou sua carreira como um dos maiores narcobrokers do mundo operando a entrada da cocaína da Bolívia e seu transporte para centros regionais, na época de distribuição no interior de São Paulo, como Ribeirão Preto e São José do Rio Preto.
Investigações da PF mostraram que ele dispunha em sua mega estrutura do crime empresas de aviação em Portugal e no Brasil.
O ex-PM tinha suas empresas para trazer droga para o Brasil, da Bolívia e demais produtores, como mostrou a Operação Catrapo, da PF, deflagrada em 6 julho 2022. O alvo era uma escola de aviação e seus aviões e pilotos, usados para o tráfico. O hangar, em Mato Grosso do Sul, também servia de oficina para adaptar as aeronaves.
O fretamento de jatos particulares também é usado. Major Carvalho tinha uma empresa de taxi aéreo, sediada em Portugal, com diversas aeronaves usadas para o tráfico, segundo a PF.
Nos anos 1980, quando começou, o negócio era outro. Pablo Escobar - o mais famoso dos narcotraficantes - ainda era vivo. Os carteis de Cali e Medelin rivalizavam com sangue e terror, pelo comando da venda do pó para os Estados Unidos. A guerra aberta entre cartéis, com atentados, sequestros e execução de autoridades, ficou no passado. A figura do "poderoso chefão", que mandava em toda organização criminosa, também. Os novos grupos operam, ainda com violência, mas de forma mais associativa no crime, segundo estudos. Fracionando também os grupos operacionais, algo importante para os negócios internacionais.
Odilon de Oliveira foi o juiz federal que mandou prender Major Carvalho pela primeira vez, em 1997, pelo crime de tráfico internacional de cocaína, após uma avião monomotor descarregar 250 quilos de pó na fazenda do ex-PM, na região de Ponta Porã. Aposentado desde 2018, ele sentenciou outros nomes conhecidos do narcotráfico mundial, com Fernandinho Beira-Mar. Para ele, a comparação entre Pablo Escobar e Major Carvalho é equivocada, apesar de os dois serem barões do tráfico.
"Ele foi subindo, chegou ao posto de major, e sempre respondeu a investigações pela policia federal, eu por exemplo, o condenei duas vezes. Pelo trafico Uma pessoa que sempre foi voltada para o crime Inteligentíssimo, ele foi um oficial de destaque em relação ao campo profissional." Quem conta é o ex-juiz federal Odilon de Oliveira. "A estrutura dele é muito grande diante da fraqueza da repressão, não só da brasileira, nacional, mas a fraqueza da repressão internacional."
CONSUMO DE COCAÍNA (2021)
- 275 milhões de pessoas no mundo
- 4,1 Milhões no Estados Unidos
- 2,4 milhões no Brasil
- 3,5 milhões Europa
Mesmo sem ter plantações de coca nem produzir a cocaína em pó, o Brasil movimenta um mercado que só perde para os Estados Unidos e para a Europa - que reúne diversos países. Tanto em consumo, como em apreensões e problemas decorrentes do tráfico e do vício na droga. São 2,4 milhões de usuários de cocaína, tanto no formato de pó como de pedra (o crack).
O estudo mundial sobre drogas diz que aumentou o tráfico de cocaína pós pandemia da Covid-19. Cresceu a quantia da droga que entra no Brasil e fica - indicativo de que o consumo local tem aumentado. O levantamento da UNODC sugere que a droga fica mais no país por dificuldades para traficantes no transporte da droga das fronteiras até os portos e aeroportos. A entidade é uma agência especializada da ONU e publica todo ano o Relatório Mundial sobre Drogas. Dados sobre a produção, o tráfico e o consumo são reunidos e analisados. O documento é referência para políticas públicas globais sobre drogas.
Nessa rota pelo Brasil rumo ao Atlântico, o bilionário mercado do tráfico alimenta não só os grandes grupos do crime organizado, como a guerra ao tráfico pelo Estado, como uma legião mundial de viciados e usuários da droga e também o mercado das pontas do negócio. Um mercado dominado pelo PCC, Comando Vermelho e outras facções brasileiras.
"Qual foi o marco que definiu a consolidação dessa rota? Foi a morte do Jorge Rafaat, um traficante conhecido como rei da fronteira, porque ele se opunha a essa rota porque ele dizia que a rota do Paraguai era dele, e ele dizia que os traficantes, o PCC, deviam pagar pra que ele permitisse o trânsito droga", afirma Márcio Christino, autor de um livro sobre a facção.
GUERRA NA FRONTEIRA - O PCC comanda há anos a maioria do mercado interno de cocaína, os pontos de venda da droga fracionada em pequenas e médias porções, o microtráfico. Desde 2016, a facção paulista tem se consolidado no negócio internacional do pó, o macrotráfico, muito mais lucrativo. Com o avanço no comando de trechos das fronteiras secas com Paraguai e Bolívia, com o intercâmbio com máfias da Europa e África e com a entrada na produção, no territórios dos andes bolivianos.
Uma das principais portas de acesso do pó no Brasil, a área fronteiriça do Brasil com o Paraguai e a Bolívia, onde o PCC fincou sua bandeira, é também uma das origens do Major Carvalho. Ponta Porã (MS), por exemplo, é ligado a Pedro Juan Caballero, onde no fim dos anos 90 e início dos anos 2000, Fernandinho Beira-Mar atuava. Foi por ali que ele fugiu na ocasião para entrincheirar-se em Capitan Bado (Paraguai). Naquela época, era o Comando Vermelho que atuava na região. O PCC veio depois.
A execução cinematográfica do traficante Jorge Rafaat Toumani, em 2016, marca essa ascensão do PCC e pavimenta a posição de cartel de drogas do grupo. Conhecido como o Rei da Fronteira, Raffat era um dos canais da facção para trazer a cocaína do Paraguai e Bolívia para o Brasil. Outro liderança local é Jarviz Chimenez Pavão, conhecido como "Senhor das Drogas", que mesmo preso desde 2009, comanda negócios no Brasil e Paraguai e teria sido peça importante na entrada do PCC na área.
Em Pedro Juan Caballero, Raffat estava em uma caminhonete blindada da marca Hummer, escoltado por uma caminhonete cheia de seguranças - paramilitares e sicários (assassinos do tráfico). Um grupo ligado ao PCC encosta do lado e dispara com um metralhadora .50, usada para derrubar aviões.
"Uma coisa que chama a atenção é que a execução de Raffat, o homem que disparou era um ex-militar brasileiro e a arma era uma .50 desviada do Exército da Bolívia", afirma o procurador de Justiça de São Paulo Márcio Christino. Autor de um livro sobre o PCC, ele foi do grupo que fez as primeira ações do Ministério Público de Sao Paulo contra a facção.
A morte encomendada abriu uma guerra na fronteira Brasil com Paraguai que se arrasta até 2023, com um rastro de sangue, execuções e medo. Em julho, um segurança de Jarviz Pavão escapou de uma emboscada. O traficante é suspeito de ter se associado ao PCC na morte de Rafaat. Detido atualmente no Presídio Federal de Brasília, ele foi extraditado do Paraguai para o Brasil em dezembro de 2017. Em 2021, a 7ª Vara Federal de Porto Alegre o condenou a 16 anos e cinco meses de cadeia.
"O PCC nasce como um grupo voltado aos interesses internos dos presos. O tráfico de drogas vem depois. Hoje eles são um cartel, pois ja tinham braços na Bolivia, onde passaram a plantar e produzir a cocaína e com o domínio da área de fronteira, eles estão em todas as pontas." Só não entram na Europa, lá são as máfias que mandam. O papel deles é entregar.
A facção controla esse mercado da droga que fica no Brasil - o microtráfico - e tem dois papeis mais consolidados na rota para a Europa. Agem na segurança do transporte por rodovias via estradas paulistas e controlando o crime no Porto de Santos (SP), o maior do país. Na rota do tráfico internacional, agem em parcerias e prestando serviços na logística e nas operações portuárias, mas não tem domínio sobre os esquemas das grandes redes transnacionais, como a do Major Carvalho com os cartéis na América do Sul e as máfias na Europa.
O PCC tem crescido no negócio de exportação para a Europa. Na Operação Chapa Branca, da PF, deflagrada em março deste ano, com ajuda da Europol, o alvo era uma rota operada pelo narcobroker brasileiro, que envia tabletes de pó escondidos em placas de mármore. O caso foi descoberto após a Polícia Civil do Espírito Santo aprender 350 quilos de cocaína dentro das pedras, em uma estrada local. A droga embarcaria no Porto de Guarapari (ES), rumo ao porto de Le Havre, na França.
As investigações mostraram que nesse caso, o criminoso Rodrigo Rodrigues Boeira, conhecido como Xiru, braço direito do Major Carvalho nesse negócio, era o elo do PCC com o esquema. Eles atuariam no transporte da cocaína pelas estradas e no despacho, no porto. Uma segunda carga apreendida em fevereiro de 2023 no Porto de Santos (SP), em sacos de café.
O procurador de Justiça Márcio Christino afirma que atualmente a facção ganhou dimensão de cartel, atuando inclusive na produção em países vizinhos, em especial no Bolívia e controlando a fronteira do Paraguai com o Brasil.
"Há dez anos a atuação do PCC, voltada mais à importação da cocaína para abastecer o consumo interno, no grande centros urbanos, mudou de foco. "A facção passou a cuidar de toda cadeia, desde a entrada da droga no Brasil, o transbordo das fronteiras com países vizinhos até os portos e aeroportos, e a remessa e a venda da droga para grandes máfias da Europa", explica Christino ao SBT News.
Contra essa organização do PCC como empresa do tráfico, autoridades de outros países buscam frear essa expansão internacional da facção brasileira. O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, incluiu a facção em dezembro de 2021 em uma lista restrita de impedidos de fazerem negócios em território norte-americano, do Tesouro Nacional. A lista inclui ainda empresas ligadas a cartéis do México e Colômbia.
OPERAÇÕES BRUTIUM E TURFE
Operação Turfe foram 20 mandados de prisão e 30 de busca e apreensão no Rio de Janeiro, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, além de Paraguai, Espanha e Emirados Árabes. O esquema teve 8 toneladas de cocaína apreendidos no Brasil e envolvia a compra da droga na Bolívia e Colômbia, e o envio para Europa.
Operação Brutium teve 19 mandados de prisão e 17 de busca e apreensão, no Rio Santa Catarina e São Paulo. A droga vinha da Bolívia e do Peru e era enviada para Europa. Mais de 2 toneladas de cocaína foram apreendidas no Brasil, na Europa e na África, além de R$ 3,5 milhões, ao longo das investigações. O nome "Brutium" faz referência a integrantes de organização criminosa originária no Caribe, a "No limit soldiers", que tinha ramificações em outros países.
A operação teve como alvo um braço do esquema ligado ao traficante brasileiro Major Carvalho. Com sede operacional do esquema em Dubai (Emirados Árabes), membros do PCC e do CV eram um dos braços operacionais desse rede. No Rio, por exemplo, a droga ficava escondida em galpões no morro até serem despachadas no Porto.
"O grupo criminoso tinha uma visão mais empresarial do tráfico de drogas, não eram "faccionados". Mas tinham um ligação de cooperação para determinados atos e para determinadas diligências criminosas com as facções", explicou o delegado da PF do Rio, Heliel Martins.
A operação teve como alvo um braço do esquema ligado ao traficante brasileiro Major Carvalho. Com sede operacional do esquema em Dubai (Emirados Árabes), membros do PCC e do CV eram um dos braços operacionais desse rede. No Rio, por exemplo, a droga ficava escondida em galpões no morro até serem despachadas no Porto.
"O grupo criminoso tinha uma visão mais empresarial do tráfico de drogas, não eram "faccionados". Mas tinham um ligação de cooperação para determinados atos e para determinadas diligências criminosas com as facções", explicou o delegado da PF do Rio, Heliel Martins.
Em dois anos, os alvos movimentaram mais de US$ 200 milhões e pelo menos 10 toneladas de pó. O esquema bancava uma vida de luxo dos alvos, no Brasil, no Paraguai e na Espanha. O grupo lavava dinheiro com compra de cavalos de corrida, imóveis e carros de luxo, joias, entre outras coisas. No Rio, um empresário, que tinha empresa de transportes e investiga em cavalos de corrida, foi preso. Foram apreendidas armas também e no Rio, a PF foi recebida a tiros em um comunidade, ao cumprir os mandados.